sexta-feira, 24 de julho de 2015

O INOCENTE - PARTE IV
A festa de despedida - A chegada ao Rio de Janeiro foi como um retorno de Paris. Toda a família os esperava na estação ferroviária, juntamente com os amigos mais íntimos, curiosos para saber das novidades, como fora a lua de mel, se haviam se divertido. Já na casa dos pais de Lina, Olivié iniciou a leitura do manuscrito comprado ao pedreiro em Mariana. Uma carta endereçada ao inconfidente Cláudio Manoel da Costa, enviada pelo antigo tesoureiro da Intendência do Distrito Diamantino da Vila do Tijuco, atual cidade de Diamantina, fazia uma doação ao movimento dos inconfidentes mineiros e uma confissão. Espantou-se com o conteúdo e com as coincidências. O manuscrito falava de um tesouro, uma história inverossímil, contagiante. Ele se assustou com a localização do tesouro: justamente na cidade em que iria tocar uma mina de diamantes herdada por sua esposa. Leu, releu várias vezes o documento e o guardou com um estranho pressentimento.
Pela manhã, o casal foi tomar café na famosa Confeitaria Colombo e, obviamente, encontrar com os amigos. À tardinha, arriscou a sorte nos cavalos no Jóquei Clube. À noite, uma romaria de visitas, amigos, parentes que não acabava mais. Olivié aproveitou para convidá-los para sua festa de despedida do Rio de Janeiro. Um dos amigos perguntou-lhe se haveria algum inconveniente em levar à festa um italiano hóspede seu que acabara de chegar e pretendia fixar residência no Brasil. Olivié respondeu que não haveria problema, visto que provavelmente deveria ser pessoa de boa família, educada. Marcada a festa para o sábado, alugaram um clube, orquestra, bebidas e tudo mais. Olivié queria uma festa de despedida pomposa, pois na segunda-feira partiria para Diamantina, para enfrentar uma longa jornada de trabalho na mina de diamantes da família da sua esposa.
No inicio da noite daquele sábado, Olivié não imaginava o que lhe reservara o destino. Parecia escrito nas estrelas, como dizem os árabes, macktub. Os amigos e parentes foram chegando ao salão especialmente decorado para a ocasião. À porta, o anfitrião dava as boas-vindas aos convidados. Já no meio da festa, o amigo que lhe pedira para trazer seu hóspede, apresentou-lhe o italiano à cuja mesa ele se assentou pouco depois. Relembrando que o amigo lhe falara de seu desejo de fixar residência no Brasil, perguntou-lhe se ele iria morar no Rio de Janeiro.  - Não, respondeu-lhe, vou morar no estado de Minas Gerais, na cidade de Diamantina. Espantado e até achando que era uma brincadeira, pois todos os amigos sabiam que ele partiria para Diamantina na segunda-feira, Olivié perguntou-lhe: você vai residir em Diamantina, Minas Gerais? - Sim, exatamente, respondeu-lhe o italiano, e contou sua história entre uma dose de uísque e outra: eu morava em uma pequena vila na Itália, fui convocado para a Grande Guerra de 1945, servi na África por um tempo e depois voltei à vila onde morava. Lá chegando, uma vidente, amiga da nossa família, disse que eu era um predestinado, e que acharia alguns litros de diamantes e uma quantidade enorme de ouro enterrados nas cercanias da cidade de Diamantina, Minas Gerais, no Brasil. Disse-me ela ainda que uma mulher africana me rogara uma maldição. E isto era verdade, porque em certo momento da batalha, eu e três soldados, fomos isolados da tropa por uma tempestade de areia. Inicialmente tomamos o rumo sul da África. No meio do caminho, resolvi seguir a rota oeste e meus amigos que prosseguiram para o sul foram capturados pelo exército alemão.
Ao chegar perto de um acampamento no deserto, vi três homens tentando subjugar uma mulher. Estavam despindo-a e certamente a iriam estuprar. Gritei com eles. Que vieram em minha direção com fisionomia pouco amigável, dois deles com adagas em punho e um com uma espada reluzente. Não tive dúvidas: empunhei meu fuzil e disparei sobre eles. Caíram mortos na hora. A moça, ainda apavorada, com as vestimentas rasgadas, achou que eu também a desejava e ajoelhou-se na areia escaldante do deserto, balbuciou algumas palavras que não entendi e chamou por Alá. Peguei-a pelo braço, ofereci-lhe meu casaco, levantei-a e mostrei-lhe o caminho fazendo gestos com as mãos. Ela entendeu e, mais à frente, desviou-se da rota, puxando-me pelo braço. Assim que subimos uma duna enorme, avistei um oásis. Sob o sol inclemente, morríamos de sede. O cantil secara há horas. Chegando ao acampamento, fui cercado por uma centena de beduínos, todos com espadas em punho. Fiquei assustado, mas como tinha certeza absoluta que não havia feito nada de errado, contive-me e nem empunhei meu fuzil. Neste instante, a moça chamou o que parecia ser o líder do grupo e relatou o ocorrido. Imediatamente saíram alguns homens montados a cavalo na mesma direção de que havíamos chegado, e o líder deles pegou minhas mãos e colocou em sua testa, puxou-me pelo braço, ofereceu-me uma bacia com água cristalina, uma toalha de linho branco e depois chá. Naquele momento acabara de chegar ao acampamento um homem montado num camelo, bem vestido, roupa branca de seda, turbante e barba rala, aparentando pouca idade. Conversou com os outros, dirigiu-se a mim, sentou-se à sombra da tenda e disse em inglês o seguinte: nossos homens acharam os três corpos dos criminosos que o senhor bravamente abateu defendendo a honra da donzela da nossa tribo que havia se perdido no caminho de volta. Somos-lhe eternamente agradecidos pela sua coragem e, sobretudo, pela sua honradez e dignidade ao conduzir nossa irmã a este acampamento em segurança, sem tocá-la.
O sol já estava no poente. O italiano foi convidado a passar a noite no acampamento. Ofertaram-lhe lauto banquete, como há meses não provava. Comeu à vontade ao som de um alaúde divinamente tocado. A ceia tinha cordeiro assado, quibe, tâmaras, vinho e arak, uma espécie de cachaça árabe feita de anis. Ao raiar do dia, o italiano se surpreendeu. A tribo inteira se reunira toda bem vestida com roupas limpas. Num tapete enorme ricamente ornado com finas iguarias, o líder da tribo, sentado à sua cabeceira, convidou-o a assentar-se na outra ponta, um lugar de honra.
O italiano estranhou tanta distinção, mas aceitou o convite. O intérprete iniciou a fala dizendo o seguinte: decidimos ontem à noite em uma assembleia dos mais velhos da tribo que, pela sua bravura, dignidade e coragem, dar-lhe-emos a mão da nossa irmã em casamento, uma tropa de camelos, alguns quilos de ouro em pó e uma dezena de escravos. O italiano ficou pálido como flocos de neve. Recobrado o sentido, levantou-se, fez um pequeno discurso, imediatamente traduzido aos presentes pelo intérprete: não posso aceitar a sua oferta. Já sou casado no meu país, a Itália, e tenho uma filha de dois anos. Repetiria o ato em beneficio da sua irmã por qualquer pessoa. Vocês não precisam recompensar-me por isto. Sou um combatente perdido neste deserto e preciso de um camelo, água, suprimentos e até mesmo um guia. (Continua na próxima edição)

O Meteco

Voz de Diamantina - Edição 721 - 06/06/2015


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