O INOCENTE - PARTE IV
A festa de
despedida - A
chegada ao Rio de Janeiro foi como um retorno de Paris. Toda a família os
esperava na estação ferroviária, juntamente com os amigos mais íntimos,
curiosos para saber das novidades, como fora a lua de mel, se haviam se
divertido. Já na casa dos pais de Lina, Olivié iniciou a leitura do manuscrito
comprado ao pedreiro em Mariana. Uma carta endereçada ao inconfidente Cláudio
Manoel da Costa, enviada pelo antigo tesoureiro da Intendência do Distrito
Diamantino da Vila do Tijuco, atual cidade de Diamantina, fazia uma doação ao
movimento dos inconfidentes mineiros e uma confissão. Espantou-se com o
conteúdo e com as coincidências. O manuscrito falava de um tesouro, uma
história inverossímil, contagiante. Ele se assustou com a localização do
tesouro: justamente na cidade em que iria tocar uma mina de diamantes herdada
por sua esposa. Leu, releu várias vezes o documento e o guardou com um estranho
pressentimento.
Pela
manhã, o casal foi tomar café na famosa Confeitaria Colombo e, obviamente,
encontrar com os amigos. À tardinha, arriscou a sorte nos cavalos no Jóquei
Clube. À noite, uma romaria de visitas, amigos, parentes que não acabava mais.
Olivié aproveitou para convidá-los para sua festa de despedida do Rio de
Janeiro. Um dos amigos perguntou-lhe se haveria algum inconveniente em levar à
festa um italiano hóspede seu que acabara de chegar e pretendia fixar
residência no Brasil. Olivié respondeu que não haveria problema, visto que
provavelmente deveria ser pessoa de boa família, educada. Marcada a festa para
o sábado, alugaram um clube, orquestra, bebidas e tudo mais. Olivié queria uma
festa de despedida pomposa, pois na segunda-feira partiria para Diamantina,
para enfrentar uma longa jornada de trabalho na mina de diamantes da família da
sua esposa.
No
inicio da noite daquele sábado, Olivié não imaginava o que lhe reservara o
destino. Parecia escrito nas estrelas, como dizem os árabes, macktub. Os amigos e parentes foram chegando ao salão
especialmente decorado para a ocasião. À porta, o anfitrião dava as boas-vindas
aos convidados. Já no meio da festa, o amigo que lhe pedira para trazer seu
hóspede, apresentou-lhe o italiano à cuja mesa ele se assentou pouco depois.
Relembrando que o amigo lhe falara de seu desejo de fixar residência no Brasil,
perguntou-lhe se ele iria morar no Rio de Janeiro. - Não, respondeu-lhe, vou morar no estado de
Minas Gerais, na cidade de Diamantina. Espantado e até achando que era uma
brincadeira, pois todos os amigos sabiam que ele partiria para Diamantina na
segunda-feira, Olivié perguntou-lhe: você vai residir em Diamantina, Minas
Gerais? - Sim, exatamente, respondeu-lhe o italiano, e contou sua história
entre uma dose de uísque e outra: eu morava em uma pequena vila na Itália, fui
convocado para a Grande Guerra de 1945, servi na África por um tempo e depois
voltei à vila onde morava. Lá chegando, uma vidente, amiga da nossa família,
disse que eu era um predestinado, e que acharia alguns litros de diamantes e
uma quantidade enorme de ouro enterrados nas cercanias da cidade de Diamantina,
Minas Gerais, no Brasil. Disse-me ela ainda que uma mulher africana me rogara
uma maldição. E isto era verdade, porque em certo momento da batalha, eu e três
soldados, fomos isolados da tropa por uma tempestade de areia. Inicialmente
tomamos o rumo sul da África. No meio do caminho, resolvi seguir a rota oeste e
meus amigos que prosseguiram para o sul foram capturados pelo exército alemão.
Ao
chegar perto de um acampamento no deserto, vi três homens tentando subjugar uma
mulher. Estavam despindo-a e certamente a iriam estuprar. Gritei com eles. Que
vieram em minha direção com fisionomia pouco amigável, dois deles com adagas em
punho e um com uma espada reluzente. Não tive dúvidas: empunhei meu fuzil e
disparei sobre eles. Caíram mortos na hora. A moça, ainda apavorada, com as
vestimentas rasgadas, achou que eu também a desejava e ajoelhou-se na areia
escaldante do deserto, balbuciou algumas palavras que não entendi e chamou por
Alá. Peguei-a pelo braço, ofereci-lhe meu casaco, levantei-a e mostrei-lhe o caminho
fazendo gestos com as mãos. Ela entendeu e, mais à frente, desviou-se da rota,
puxando-me pelo braço. Assim que subimos uma duna enorme, avistei um oásis. Sob
o sol inclemente, morríamos de sede. O cantil secara há horas. Chegando ao
acampamento, fui cercado por uma centena de beduínos, todos com espadas em
punho. Fiquei assustado, mas como tinha certeza absoluta que não havia feito
nada de errado, contive-me e nem empunhei meu fuzil. Neste instante, a moça
chamou o que parecia ser o líder do grupo e relatou o ocorrido. Imediatamente
saíram alguns homens montados a cavalo na mesma direção de que havíamos
chegado, e o líder deles pegou minhas mãos e colocou em sua testa, puxou-me
pelo braço, ofereceu-me uma bacia com água cristalina, uma toalha de linho
branco e depois chá. Naquele momento acabara de chegar ao acampamento um homem
montado num camelo, bem vestido, roupa branca de seda, turbante e barba rala,
aparentando pouca idade. Conversou com os outros, dirigiu-se a mim, sentou-se à
sombra da tenda e disse em inglês o seguinte: nossos homens acharam os três
corpos dos criminosos que o senhor bravamente abateu defendendo a honra da
donzela da nossa tribo que havia se perdido no caminho de volta. Somos-lhe
eternamente agradecidos pela sua coragem e, sobretudo, pela sua honradez e
dignidade ao conduzir nossa irmã a este acampamento em segurança, sem tocá-la.
O
sol já estava no poente. O italiano foi convidado a passar a noite no
acampamento. Ofertaram-lhe lauto banquete, como há meses não provava. Comeu à
vontade ao som de um alaúde divinamente tocado. A ceia tinha cordeiro assado,
quibe, tâmaras, vinho e arak, uma espécie de cachaça árabe feita de anis. Ao
raiar do dia, o italiano se surpreendeu. A tribo inteira se reunira toda bem
vestida com roupas limpas. Num tapete enorme ricamente ornado com finas
iguarias, o líder da tribo, sentado à sua cabeceira, convidou-o a assentar-se
na outra ponta, um lugar de honra.
O
italiano estranhou tanta distinção, mas aceitou o convite. O intérprete iniciou
a fala dizendo o seguinte: decidimos ontem à noite em uma assembleia dos mais
velhos da tribo que, pela sua bravura, dignidade e coragem, dar-lhe-emos a mão
da nossa irmã em casamento, uma tropa de camelos, alguns quilos de ouro em pó e
uma dezena de escravos. O italiano ficou pálido como flocos de neve. Recobrado
o sentido, levantou-se, fez um pequeno discurso, imediatamente traduzido aos
presentes pelo intérprete: não posso aceitar a sua oferta. Já sou casado no meu
país, a Itália, e tenho uma filha de dois anos. Repetiria o ato em beneficio da
sua irmã por qualquer pessoa. Vocês não precisam recompensar-me por isto. Sou
um combatente perdido neste deserto e preciso de um camelo, água, suprimentos e
até mesmo um guia. (Continua na próxima edição)
O Meteco
Voz de Diamantina
- Edição 721 - 06/06/2015
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