717 – UMA CARTA-CONFISSÃO QUE PODERÁ REDIMIR
A DIGNIDADE DE FELISBERTO CALDEIRA BRANT
Becos
estreitos, tortuosos, aladeirados. Esquinas ora convenientes ora inoportunas. Treliças,
muxarabiês, chafarizes. Portas de rangidos conspiratórios. Rótulas que se fecham
e abrem furtivamente. Cochichos reprimidos, olhares de soslaio. - A que lembranças
me remetem esses recantos obscuros, esses pormenores de construção, esses
viveres cautelosos? Que época me evoca esse clima tenso de conversas entrecortadas,
de silêncios reveladores? Que gentes povoariam esses nascentes arruamentos? Escravos,
mucamas, reinóis, degredados, galés, tropeiros, mascates, garimpeiros, padres, prostitutas,
contrabandistas, intendentes, contratadores? Todos estes personagens me parecem
familiares. Assim como os ambientes que impunham a escolha de palavras, o
sopesar de assuntos, a manha da dissimulação. Só vislumbro um cenário com tais peculiaridades:
o Arraial do Tijuco.
O
correr da pena indicará que essa aldeia de antanho se encaixa na história
impressionante que passarei a contar. Assim como seus atores. Tudo começou com
uma carta achada numa velha chaminé dentro de um pequeno baú cheio de patacas
de ouro. Escrita por um homem atormentado por ter participado de um grande
roubo e incriminado um inocente. Que preso, degredado, perdeu toda sua enorme
fortuna e caiu em completa desonra. Mas tempos depois, arrependido e bafejado pela
sorte numa riquíssima lavra de diamantes, confessou numa carta a maquinação que
ele e três cúmplices armaram para furtar grande volume de diamantes e ouro da intendência.
Detalhe instigante: esse formidável tesouro permaneceu intacto. E muito bem
escondido. Padre Rolim, que escutara em confissão o autor da carta, influenciou-o
a destinar o fruto da rapinagem a uma causa muito nobre: o embrionário movimento
da Inconfidência Mineira.
Assim
é que, meio na maciota, como se costumam contar casos neste velho e misterioso
burgo, se tomará tento de que os muitos tesouros aqui achados ou ainda ocultos são
tutameia se comparados ao formidável cabedal de que quatro dos cinco guardiões
do cofre da intendência se apoderaram, pondo em desgraça o contratador Felisberto
Caldeira Brant. Ou seja: do ano de 1750 até os dias atuais emergem algumas
possibilidades muito caras a Diamantina: redimir a dignidade de um injustiçado
e conhecer a saga aventureira de um imigrante italiano que veio esbarrar nestes
altos de penedias, guiado por uma carta que indicava onde 15 arrobas de ouro e
dois litros de diamantes furtados estavam escondidos.
Mas
não cabe a este editor contar uma história que não lhe pertence. Mas a alguém
que, muito ao estilo diamantinense, em conversas de boteco, na beira de fogões
de garimpo, entre uma pinga e outra, logrou desenrolar o fio da incansável busca
por um tesouro e de uma carta que pode resgatar uma reputação. Com a virtude
ainda de realçar a hombridade de um contratador que, encarcerado indefesamente,
não titubeou em entregar-se ao poderoso marquês de Pombal, quando um terremoto destruiu
Lisboa e fez ruir a Prisão do Limoeiro, matando os presos que não fugiram.
As
páginas tais e tais desta edição transcrevem uma trama que, iniciada em 1750, com
o fim de desonrar um contratador inconveniente à Coroa Portuguesa, ressurgIU em
pleno século XX como mais um capítulo de obcecada e folhetinesca caça a um tesouro.
A este primeiro texto, subscrito por “O
Meteco”, se sucederão outros em que o autor que - de estrangeiro só tem o
sobrenome - conta romanescamente toda a lendária história sob o título “O
Inocente”. No epílogo da fascinante narrativa, que será publicada em série na Voz
de Diamantina, ele revelará seu verdadeiro nome e reiterará o pedido para que o
filho do imigrante italiano guardião da enigmática carta-confissão torne-a
pública para que, afinal, se restaure a dignidade de Felisberto Caldeira Brant.
Joaquim Ribeiro
Barbosa - “Quincas” - 09/05/2015
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